terça-feira, 17 de junho de 2008

A DESCODIFICAÇÃO DA REALIDADE: Acção ou Reacção

Qual de entre nós já se debruçou acuradamente sobre o verdadeiro significado do termo 'agir'? Do latim 'agere' que significa: fazer, actuar, praticar como agente. E uma 'acção'? Que poderá querer dizer além de 'efeito de agir'?
Recordo-me de uma estória de um monge Budista que de rompão interroga o seu pupilo: "O que é isto?", ao que o aluno admirado responde: "Isso é o seu punho, venerável monge."
O monge sorrindo com a complacência de quem tinha apanhado o aluno desprevenido afirmou: "Estás enganado, isto que vês é apenas a minha mão. O punho não existe, é apenas um acto da mão!"
A nível filosófico "ser" também não pode ser comprovado a não ser pelo seu próprio acto, por exemplo: penso, logo existo! Não há outra forma de comprovar a existência a não ser através dos sentidos.
A 'realidade', em si mesma, enferma da mesma impossibilidade de ser comprovada como objectividade transpessoal.
Nenhum de nós sabe se a percepção do Real, fornecida pelos nossos sentidos, é idêntica àquela que é descodificada pelos sentidos dos outros e se as referências utilizadas são semelhantes, diferem ou contradizem a descrição do objecto.
Seria como explicar a um daltónico as cores que não pode ver, ou a um cego de nascença, que vive no mundo do olfacto e do tacto, algo como "a vastidão do oceano".
Por isso foi necessário fornecer normas generalistas para que todos possam, de alguma maneira, comunicar aquilo que se está a passar no nosso interior, que é o reflexo do exterior que percepcionamos.
Roland Barthes nos seus estudos criticos de semióptica abordou a qualidade ideográfica da escrita e da arquitectura japonesa como uma memória descritiva dos conceitos filosóficos que estão na base da religião Taoista: "o que está em baixo é igual ao que está em cima", a harmonia complementar dos opostos Yin-Yang geradora do movimento perpétuo e a 'não-acção', ou seja, a qualidade de não causar obstrução aos fluxos universais.
Por isso na sua grande maioria os orientais utilizam uma escrita feita de informação imagética, o que beneficia substancialmente o entendimento do "outro": uma imagem vale mais que mil palavras! Porque as imagens são também "um ponto de vista" do observador. Para além do detalhe descritivo, contêm dados quanto à natureza dos seus sentimentos e o seu julgamento de valor.
À la limite isso torna-os Realizadores da realidade. Tal como cineastas, a obra de arte que apresentam depende de como, e para onde, se apontam as objectivas: para imagens dramáticas ou para imagens idílicas. Cada um fornece à realidade a sua perspectiva específica onde a revelação do objecto traz consigo o selo do caracter do realizador.
De uma maneira geral este processo é semelhante à Teoria Quântica do observador e do observado, influenciando-se, de forma inapreensível, um ao outro.
É nesta interacção com os outros que se estabelece a legitimidade da liberdade de cada um. Por isso é tão importante ser compreendido na transmissão do que se está a sentir interiormente. Como a História comprova, no seu longo carpir, a maioria das grandes desgraças humanas nasceram de incompreensão mútua.
A incompreensão tem muitas formas, mas todas elas se baseiam num fenómeno básico que é despoletado: o medo!
A Xenofobia, o Racismo, a Eugenia, o Puritanismo de uns, o Hedonismo de outros, o Nacionalismo e todos os outros restantes "ismos" de cariz socio-politico; resumindo: a diferença.
À falta de entendimento responde-se com a Lei de Talião: "olho por olho, dente por dente", ou seja, prescinde-se da Acção para passar à Reacção.
Já não me recordo quem foi o filósofo que afirmou "o homem criou normas para não ter que decidir". Isso é escandalosamente evidente com o extermínio dos Judeus na II Grande Guerra. Quem, a não ser pela justificação dos "regulamentos", seria capaz de perpetrar tal barbárie? Teria sido humanamente improvável se não houvesse um corpo estruturado de normas e uma filosofia subjacente.
Eu não subscrevo a citação de Marx 'a religião é o ópio do povo'. Neste caso, e noutros mais recentes, trata-se mais da "anfetamina das massas".
Quando falo em religiões não quero deixar de referir que algumas filosofias políticas depois de institucionalizadas tiveram desempenhos tanto ou mais fundamentalistas, e mesmo com sentido de Cruzada, quanto as convicções religiosas.
"No reino dos surdos, os cegos são mudos". É desse erro perdido na tradução dos actos dos outros, dessa incapacidade de compreender devido às nossas próprias insuficiências, que resultam todos os malentendidos e todas as acções precipitadas.
À falta de não sabermos como agir perante a estranheza dos outros, envolvemo-nos emocionalmente numa disputa que, por mais estranho que pareça, passa então a ser nossa também.
Não estamos agindo, estamos meramente reagindo. E, quanto mais nos empolgamos nesse "tango" bizarro, tanto mais temos a sensação de não poder sair a não ser seguindo cada passo dessa dança macabra.
Um homem tanto pode ser um génio ou um tolo com uma só palavra. E é nesse preciso local que reside a liberdade: no livre arbitrio.


(Joao do O'Pacheco.
junho 2008)