domingo, 30 de novembro de 2008

Contos Curtos: OS NOVE BILIÕES DE NOMES DE DEUS por Arthur C. Clarke


O doutor Wagner conseguiu reprimir-se. Era meritório.
Depois disse:
- O seu pedido é um pouco desconcertante. Que eu saiba, é a primeira vez que um mosteiro tibetano faz encomenda de um calculador electrónico. Não quero ser curioso, mas estava longe de pensar que semelhante instituição pudesse necessitar desta máquina. Posso perguntar-lhe em que deseja utilizá-la?
O lama ajeitou a saia da sua túnica de seda e pousou sobre a secretária a régua de calcular com a qual acabava de efectuar conversões libra-dólar.
- Com certeza. O calculador electrónico tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída de forma que imprima letras em vez de colunas de números.
- Não compreendo muito bem...
- Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consegramos a um determinado trabalho. É um trabalho que pode parecer estranho e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito.
- De acordo.
- É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus.
- Perdão?
O lama continuou imperturbavelmente:
- Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem quando muito nove letras do nosso alfabeto.
- E ocuparam-se disso durante três séculos?
- Sim. Tinhamos calculado que precisaríamos de quinze mil anos para terminar o trabalho.
O doutor deu um assobio de vencido, e disse um pouco atordoado:
- OK, agora compreendo porque deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objectivo da operação?
Durante um fracção de segundo o lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabava de fazer a viagem Lassa - Nova Yorque com uma régua de calcular e o Catálogo da Companhia dos Calculadores Electrónicos na algibeira da sua túnica cor de açafrão.
- Chame a isto um ritual, se quiser - disse o lama -, mas é uma das bases fundamentais da nossa religião. Os nomes do Ser Supremo, como seja Deus, Jupitar, Jeová, Alá, etc., não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas, demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos a certeza de que, entre todas as permutas e possíveis combinações de letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora o nosso objectivo é descobri-los e escrevê-los todos.
- Já compreendo: Começaram por AAAAAAAAA, e acabarão por chegar a ZZZZZZZZZ.
- Simplesmente utilizamos o nosso alfabeto. Evidentemente que lhe há-de ser fácil modificar a máquina de escrever eléctrica, de forma que ela utilize o nosso alfabeto. Mas um problema mais importante será o de preparar os circuitos especiais de forma que eliminem antecipadamente as combinações inúteis. Por exemplo, nenhuma das letras deve aparecer mais de três vezes sucessivamente.
- Três? Quer dizer duas.
- Não. Três. Mas a explicação completa exigiria imenso tempo, mesmo se o senhor compreendesse a nossa língua.
Wagner disse precipitadamente:
- Claro, claro. Siga, por favor.
- Ser-lhe-á fácil adaptar o calculador automático em função deste objectivo. Com um plano bem elaborado, uma máquina desse género pode trocar as letras umas a seguir às outras e imprimir um resultado. Desta forma - concluiu calmamente o lama -, aquilo que nos levaria ainda quinze milénios estará terminado em cem dias.
O doutor Wagner sentia que ia perdendo o sentido das realidades. Através das janelas do edifício, os ruídos e as luzes de Nova Yorque perdiam a intensidade. Sentia-se transportado a um mundo diferente. Lá longe, no seu longínquo asilo montanhoso, geração após geração, os monges tibetanos há trezentos anos que elaboravam uma lista de nomes desprovidos de sentido... Não havia então limite para a loucura dos homens? Mas o doutor Wagner não devia deixar transparecer os seus pensamentos. O cliente tem sempre razão...
E respondeu:
- Não duvido que possamos modificar a máquina tipo 5, de forma a imprimir listas desse género. A instalação e a conservação é que mais me inquietam. Aliás, não será fácil enviá-la para o Tibete.
- Nós trataremos disso. As peças separadas têm dimensões suficientemente pequenas para serem transportadas por avião. De resto, foi esse o motivo por que escolhemos a máquina. Enviem as peças para a Índia, que nós nos encarregaremos do resto.
- Deseja contratar dois dos nossos engenheiros?
- Sim, para montarem e vigiarem a máquina durante cem dias.
- Vou mandar as instruções à direcção do pessoal - disse Wagner enquanto escrevia no bloco-notas. - Mas restam duas questões a resolver...
Antes que tivesse podido terminar a frase, o lama tirou do bolso uma delgada folha de papel:
- Esta é a posição certificada da minha conta no Banco Asiático.
- Muito obrigado. Está muito bem... Mas, se me permite, a segunda questão é de tal maneira elementar que hesito em mencioná-la. Acontece muitas vezes esquecermos qualquer coisa evidente... Têm uma fonte de energia eléctrica?
- Temos um gerador«Diesel» eléctrico de 50 KW de potência 100 volts. Foi instalado há cinco anos e funciona bem. Facilita-nos a vida no convento. Comprámo-lo sobretudo para accionar os moinhos de orações.
- Ah!, sim, evidentemente, eu devia ter pensado nisso....
*
Do parapeito a vista era vertiginosa, mas habituamo-nos a tudo.
Tinham decorridos três meses e Jorge Hanley já não se impressionava com os seiscentos metros em vertical que separavam o mosteiro do quadriculado dos campos da planície. Apoiado sobre pedras que o vento arredondara, o engenheiro contemplava com olhar triste as montanhas longínquas de que ignorava o nome. «A operação nome de Deus», como a baptizara um humorista da Companhia, era sem dúvida a pior tarefa de louco em que jamais participara.
Semana após semana, a máquina tipo 5, modificada, cobrira milhares de folhas de uma terrível algaravia. Paciente e inexoarável, o calculador reunira as letras do alfabeto tibetano em todas as combinações possíveis, esgotando série após série. os monges recortavam certas palavras à saída da máquina de escrever eléctrica e colavam-nas com devoção em enormes registos. Dentro de uma semana acabariam.
Hanley ignorava quais seriam os obscuros cálculos que os tinham feito chegar à conclusão de que não deviam estudar conjuntos de dez, vinte, cem, mil letras, e nem pretendia sabê-lo. Nos seus pesadelos sonhava por vezes que o grande lama decidira bruscamente complicar um pouco mais a operação e que o trabalho continuaria até ao ano 2060. Aliás, aquele estranho homenzinho parecia perfeitamente capaz de o fazer. A pesada porta de madeira soou. Chuck vinha ter com ele ao terraço. Chuck fumava, como de costume, um charuto; tornara-se popular entre os lamas destribuindo-lhes «havanos». Aqueles tipos seriam completamente chalados - pensou Hanley -, mas não eram puritanos. As frequentes expedições à aldeia não tinham sido desprovidas de interesse...
- Ouve, Jorge - disse Chuck -, vamos ter aborrecimentos.
- A máquina escangalhou-se?
- Não.
Chuck sentou-se sobre o parapeito. Era espantoso, pois habitualmente receava ter vertigens:
- Acabo de descobrir o objectivo da operação.
- Mas já o sabíamos!
- Sabíamos o que os monges queriam fazer, mas não sabíamos porquê.
- Bah!, são uns loucos...
- Escuta, Jorge, o velho acaba de me explicar. Eles crêem que assim que tenham escrito todos aqueles nomes (e segundo pensam são cerca de nove biliões), o objectivo divino será atingido. A raça humana terá realizado a tarefa para que foi criada.
- Então e depois? Esperam que nos suicidemos?
- Inútil. Quando a lista estiver terminada, Deus intervirá e será o fim.
- Quando terminarmos, será então o fim do Mundo?
Chuck teve um risinho nervoso:
- Foi o que eu disse ao velho. Ele olhou-me de uma forma estranha, como um professor olha para um aluno particularmente estúpido, e disse-me: «Oh, não será assim tão insignificante!...»
Jorge reflectiu um instante:
- É um tipo que visivelmente tem ideias largas, mas, mesmo assim, que importância tem isso? Nós já sabíamos que eram uns loucos.
- Sim. mas não vês o que pode acontecer? Se a lista fica pronta e se as trombetas do anjo Gabriel, versão tibetana, não tocam, eles podem decidir que é por nossa culpa. No fim de contas, era a nossa máquina que eles utilizavam. Não gosto disto...
- Estou a ver - disse lentamente Jorge -, mas eu já vi tanta coisa! Quando era garoto na Louisiana, apareceu um pregador que anunciou o fim do Mundo para o próximo domingo. Houve centenas de tipos que o acreditaram. Alguns chegaram a vender as suas casas. Mas ninguém se enfureceu no domingo a seguir. As pessoas pensaram que ele apenas errara um pouco os cálculos, e muitas delas ainda o acreditam.
- Caso não te tenhas apercebido disso, faço-te notar que não estamos na Louisiana. Estamos os dois sozinhos, no meio de centenas de monges. Eu adoro-os, mas preferia estar longe quando o velho lama se aperceber de que a operação falhou.
- Há uma solução. Uma pequenina sabotagem inofensiva. O avião chega dentro de uma semana e a máquina acaba o trabalho dentro de quatro dias, à razão de 24 horas por dia. Basta-nos começar a reparar qualquer coisa durante dois ou três dias. Se calcularmos bem, podemos estar lá em baixo, no aeroporto,quando o último nome sair da máquina.
*
Sete dias mais tarde, enquanto os pequenos póneis das montanhas desciam o caminho em espiral, Hanley disse:
- Sinto um pouco de remorsos. Não fujo por medo, mas porque me faz pena. Não gostaria de ver a cara daqueles pobres homens quando a máquina parar.
- Na minha opinião - disse Chuck -, eles desconfiaram que fugimos, o que os deixou indiferentes. Agora já sabem até que ponto a máquina é automática, e que não precisa de vigilância. E supõem que não haverá nenhum depois.
Jorge voltou-se para trás e olhou.
Os edifícios do mosteiro apareciam em silhueta escura sobre o poente. De vez em quando brilhavam pequeninas luzes sob a massa sombria das muralhas, como as vigias de um navio singrando no mar. Lâmpadas eléctricas colocadas sobre o circuito da máquina nº 5.
Que aconteceria ao calculador eléctrico? - pensou Jorge. - Na sua fúria e desapontamento iriam os monges destrui-lo? Ou então recomeçariam tudo?
Como se ainda lá estivesse, via o que naquele momento se passava sobre a montanha atrás das muralhas. O grande lama e os seus assistentes examinavam as folhas, enquanto al guns noviços recortavam os nomes barrocos e os colavam no enorme caderno. E tudo aquilo era feito em religioso silêncio. Só se ouviam as teclas da máquina, batendo no papel como se fosse chuva miúda. O próprio calculador, que combinava milhares de letras por segundo, estava completamente silencioso...
A voz de Chuck interrompeu o seu devaneio:
- Lá está ele! Que grande alegria me dá!
Semelhante a uma minúscula cruz prateada, o velho avião de transportes DC3 acabava de pousar lá em baixo no pequeno aeródromo improvisado. Aquela visão dava vontade de beber um grande copo de whisky gelado. Chuck começou a cantar, mas depressa se calou. As montanhas não o encorajavam.
Jorge consultou o relógio.
- Estaremos lá dentro de uma hora - disse. E acrescentou: - Pensas que o cálculo já terminou?
Chuck não respondeu e Jorge levantou a cabeça. Viu o rosto de Chuck muito branco, voltado para o céu.
- Olha - murmurou Chuck.
Jorge, por sua vez, levantou os olhos.
Pela última vez, por cima deles, na paz das alturas, uma a uma as estrelas começavam a extinguir-se...

sábado, 22 de novembro de 2008

Ao Que Isto Chegou!



Clinton Decides to Accept Post at State Dept.



WASHINGTON - Hillary Rodham Clinton has decided to give up her Senate seat and accept the position of secretary of state, making her the public face around the world for the administration of the man who beat her for the Democratic presidential nomination.



The New York Times
November 21, 2008

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

"Contra argumentos, não há factos..." - O policiário de Pessoa


Fernando Pessoa também foi um escritor de policiais - embora a maior parte dos leitores desconheça esta faceta da sua obra - e não dava menos importância às suas novelas que ao resto da sua produção intelectual. Pessoa chegou mesmo a questionar-se se, em vez de começar a publicar com a Mensagem, não deveria ter-se iniciado na edição com estas narrativas.
"Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo", disse Fernando Pessoa.
Mas as suas novelas são inacabadas e, em vez de as escrever com um heterónimo, criou um personagem: Abílio Fernandes Quaresma, cuja profissão era: decifrador!

Quaresma é um personagem que tem uma descrição física e intelectual, portanto real, para Pessoa. Fumador inveterado de charutos Peralta, fechado no seu alcoolismo impenitente e no seu raciocínio quase automatizado, é fisicamente um homem vulgar, de estatura média, excessivamente magro e de barba mal aparada. Solteiro, médico sem clínica, mora num 3º andar da rua dos Fanqueiros, num pequeno quarto desarrumado, com uma janela aberta para os telhados, e procura, sem o conseguir completamente, não parecer excessivamente desleixado no vestuário... e tem um método! O método do Quaresma, que assenta simultaneamente no raciocínio dedutivo e no conhecimento psicossomático do criminoso. E, dessa maneira, discorre demoradamente sobre temas como a nevrose e a loucura, na sua óptica intimamente relacionados com o crime ou o génio. Na realidade, tanto o génio como a loucura ou o crime são apresentados como resultado de desiquilíbrios psiconevróticos e de inaptidão social. Expõe igualmente tipologias de crimes: "crimes de temperamento", "crimes de impulso", "crimes de ocasião", e de criminosos, entre os quais avulta o criminoso nato: "No caso do criminoso nato, ou natural, temos a histeria e a epilepsia coexistentes mas fundindo-se, entrepenetrando-se..."

De si mesmo, Quaresma, o Decifrador dizia: "procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. (...) Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas. Paro, decifro e passo adiante. Não emprego nenhum sentimento." Mas Pessoa facilita-lhe a vida descrevendo: "Vivia no seu quarto, num estado de semi-doença indefinida, vegetando embrulhado numa manta e lendo. Deixava perceber, por um ligeiro tremor e pelos dedos amarelados, as marcas dos seus dois vícios, o alcoolismo e o tabaco. Preferia charutos baratos, Peraltas escuros, a 25 réis, que contribuíam para a tosse cadavérica que por vezes o tomava."

As novelas policiais foram reunidas num só volume, na véspera da comemoração dos 120 anos do seu nascimento. É Fernando Pessoa na pele de Quaresma, Decifrador em 13 novelas inacabadas. Excelente presente de Natal.

Máxima do dia


"A MELHOR MANEIRA DE VIVER, É VIVER CONTRA A APATIA GERAL"
José Saramago (19.11.2008)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A Rede de Jóias de Indra

"Far away in the heavenly abode of the great god Indra, there is a wonderful net which has been hung by some cunning artificer in such a manner that it stretches out indefinitely in all directions. In accordance with the extravagant tastes of deities, the artificer has hung a single glittering jewel at the net's every node, and since the net itself is infinite in dimension, the jewels are infinite in number. There hang the jewels, glittering like stars of the first magnitude, a wonderful sight to behold. If we now arbitrarily select one of these jewels for inspection and look closely at it, we will discover that in its polished surface there are reflected all the other jewels in the net, infinite in number. Nor only that, but each of the jewels reflected in this one jewel is also reflecting all the other jewels, so that the process of reflection is infinite."
» THE AVATAMSAKA SUTRA «

Esta belíssima metáfora budista - acerca de uma rede infinida, tecida de forma a ter uma jóia refulgente a cada intersecção dos fios, que reflecte todas as outras jóias, que, por sua vez, nela reflectidas, reflectem elas mesmas todas as outras, como um jogo interminável de espelhos paralelos - sugere-me sempre os intricados labirintos mentais das ideias, a sua volatilidade e a sua verdadeira natureza.
Muitas vezes me pergunto a mim mesmo como surgem as ideias, de onde vêm e para onde vão. Existem vadias no éter universal, ou são criações das nossas mentes inquietas? Será que elas existem antes de pensarmos nelas? Se assim é, onde estão? Por exemplo, a ideia da roda existia antes de a roda autêntica ser inventada? O princípio da roda esteve sempre algures, à espera de ser descoberto?

O que estimula o nosso cérebro de modo a optar por determinada forma para produzir uma ideia específica? Quer se trate de a ir buscar aos pensamentos que passam na cabeça de outra pessoa, ou de fazer uma descoberta criativa permitindo que uma nova ideia ocorra, ambos os casos pressupõem captar uma ideia "do ar" ou levar o cérebro a comportar-se de uma determinada forma que corresponda à ideia. Como é que uma ideia se deslocada? Como é que uma ideia que é "mental", consegue juntar-se ao nosso cérebro que é "físico"?

Estas ideias confusas nascem da forma como imaginamos o funcionamento do mundo. A nossa própria linguagem reflecte a maneira como compreendemos os mecanismos do mundo. Quando falamos de um objecto, este tem uma fronteira à sua volta - existe dentro de um determinado espaço. Para captar esse objecto, raios luminosos, ondas sonoras ou moléculas odoríferas têm que se estender entre nós e o mesmo. Tem que ocorrer um contacto qualquer, pois a nossa consciência de separação exige que haja elos entre nós e o não-nós, de modo a aprendê-los.

Quando se trata de manipular objectos materiais no nosso mundo do dia-a-dia, a nossa consciência vulgar, tal como foi designada pela linguagem científica, funciona razoavelmente bem. Trata-se de uma perspectiva optimista: tudo tem por base os mecanismos de átomos que se comportam como bolas de bilhar. Diz-se que a ciência reduz toda a vida a fenómenos químicos e físicos, utilizando o átomo como alicerce do bloco de edifícios. Prenda-se alguns átomos uns aos outros e teremos uma substância química. Misture-se alguns produtos químicos e teremos uma reacção química. Algures, ao longo da linha, uma dessas reacções químicas origina uma forma de vida. As formas de vida conjugam-se e algumas reacções químicas, por sorte mas ao acaso, criam novas formas de vida. Passado algum tempo temos plantas, animais e humanos.

Um pensamento humano é o resultado final de reacções químicas que ocorrem no mundo exterior. Tudo é explicado como uma cadeia de sequências causa-e-efeito envolvendo, basicamente, processos atómicos. Outra das designações atribuidas à abordagem atomista é uma perspectiva micro, pois todos os processos são analisados em termos da parte mais reduzida. Mas muita gente evita recorrer à perspectiva micro para explicar tudo. A perspectiva macro, no lado oposto, analisa a vida em termos do mais vasto, englobando processos que governam os mais pequenos. Uma perspectiva macro também é holística: considera o sistema não como uma amálgama de partes, mas sim como um todo, como na ecologia. Descobertas recentes na física quanta incentivaram um conceito do mundo mais holisticamente integrado, se não também paradoxal.

Onde estamos nós actualmente? Abriram-se portas em quase todos os edifícios científicos, mas o edifício da física de hoje em diante quase que não tem paredes: é uma catedral cheia de vitrais onde se reflectem os clarões de outro mundo, infinitamente próximo.
A matéria revelou-se tão rica, se não mais rica em possibilidades do que o espírito. Ela contém uma energia incalculável, é susceptível de transformações infinitas, tem recursos insuspeitáveis. O termo "materialista", segundo o significado do séc. XIX, perdeu todo o sentido, da mesma forma que o termo "racionalista". A lógica do «bom senso» já não existe. Na física actual, uma proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa. A.B. já não é igual a B.A. Uma entendida pode ser a um tempo contínua e descontínua. Já não nos podemos referir à física para condenar tal ou tal aspecto do possível.

Um dos sinais mais espantosos da abertura que se produz no domínio da física é a introdução daquilo a que se chama "o número quântico de estranheza". Eis, por alto, de que se trata. No princípio do séc. XIX, pensava-se ingenuamente que dois números, o máximo três, seriam suficientes para definir uma partícula. Esse número seria a sua massa, a sua carga eléctrica e o seu momento magnético. A verdade estava longe de ser tão simples. Para descrever completamente uma partícula foi necessário acrescentar uma importância intraduzível em palavras e a que se chamava spin. A princípio julgou-se que essa importância correspondia a um período de rotação da partícula sobre si própria, qualquer coisa que para o planeta Terra corresponderia ao período de 24 horas, regulando a alternância dos dias e das noites. Chegou-se à conclusão de que nenhuma explicação simplista deste género poderia manter-se de pé. O spin era simplesmente o spin, uma quantidade de energia ligada à partícula, apresentando-se matematicamente como uma rotação sem que gire seja o que for da partícula.

Mas, bruscamente, descobriu-se que entre as três partículas conhecidas: protões, electrões, neutrões ( e as suas imagens no espelho, antiprotão negativo, positrão, antineutrão), existia mais uma trintena de outras partículas. Os raios cósmicos, esses grandes aceleradores, porduziam-nas em grandes quantidades. Ora, para descrever essas partículas, os quatro números habituais, massa, carga, momento magnético, spin, já não eram suficientes. Era necessário criar um quinto número, talvez um sexto, e assim indefinidamente. E foi de uma forma absolutamente natural que os físicos chamaram a essas novas importâncias «números quânticos de estranheza». Esta saudação ao anjo do Bizarro tem qualquer coisa de imensamente poético. Como muitas outras expressões da física moderna: «Luz Interdita», «Algures Absoluto», o «número quântico de estranheza» prolonga-se para além da física, e tem ligações com as profundezas do espírito humano.

domingo, 9 de novembro de 2008

Links de Domingo - Writing and Writers - José Saramago (copy & paste o url)

http://www.nytimes.com/2007/08/26/magazine/26saramago-t.html?partner=permalink&exprod=permalink

sábado, 8 de novembro de 2008

EDGE.org - November 7, 2008

Edge 264: Putting Psychology Into Behavioral Economics - Thaler, Mullainathan, Kahneman


http://www.edge.org/documents/archive/edge264.html

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A NATUREZA DA REALIDADE (notas de leitura)

Quando os Físicos começaram a aprofundar o conhecimento do átomo, desencadearam uma cadeia de descobertas que veio transformar por completo a nossa visão do mundo, da criação, até mesmo da realidade e da relação entre o consciente e o mundo material. Foram publicados alguns livros fascinantes sobre o assunto: O Tao da Física, de Fritjiof Capra, The Dancing Wu Li Masters, de Gary Zukav, entre outros. Os títulos dos livros fazem referência a metafísicas orientais por uma boa razão: os físicos ocidentais modernos têm mostrado que a realidade se assemelha muito mais à que é descrita no misticismo oriental do que anteriormente se supunha. Analisemos algumas dessas importantes descobertas científicas relacionadas com a realidade da «Unicidade».
Antes de mais nada, a nível subatómico as 'coisas' realmente quase desaparecem. As 'coisas' parecem não ser sólidas, mas sim concentrações transitórias de energia. A famosa equacão de Einstein, E=MC2, que iguala massa (material) com energia, dá mostras de se manifestar numa situação em que essa 'coisa' praticamente desaparece. Em vez disso, formas de energia parecem potenciar probabilidades segundo as quais a energia se aglutina numa 'coisa' em determinado lugar e altura. A 'coisa' referida não é nenhum objecto, como normalmente o encaramos, mas sim uma onda permanente. Uma onda permanente é uma onda que, sendo aparentemente estacionária, é, na realidade, criada pela junção de duas ondas deslocando-se em direcções opostas. A palavra onda é um substantivo e sugere, portanto, um objecto; mas, na realidade, descreve um processo. Assim, uma das descobertas da Física moderna é a de que as 'coisas' se decompõem em forma de ondas de energia. Daí que a criação, ou a realidade, não seja uma colecção de coisas, mas uma dança de formas de energia. É o mesmo corpo de energia que aparece em formas diferentes. Na Terra não só tudo está interligado como também tudo é, na realidade, a mesma coisa - energia em movimento e assumindo formas diferentes. E essa é uma maneira de começar a imaginar qual é o significado da Unicidade subjacente à criação visível. No misticismo e na metafísica, a energia é, frequentemente, um sinónimo de Deus.
Segundo a filosofia perene, cada um representa toda a criação, o nosso consciente e a realidade que nos cerca são um só. A Física moderna também já descobriu essa dimensão da Unicidade. O início dessa descoberta foi o «Princípio da Incerteza» de Heisenberg. Inicialmente, este princípio parecia representar uma limitação directa ao mecanismo da ciência, no entanto conduziu ainda a mais paradoxos acerca da natureza da realidade e do consciente.
O princípio de Heisenberg refere-se ao facto de, para "ver" uma partícula subatómica, é necessário "fazer luz" sobre ela. Essa luz é, em si, feita de ondas de partículas; quando as ondas de luz atingem a partícula que pretende ver, embatem nesta, levando-a deste modo a deslocar-se. Quando a luz se afasta da partícula, para regressar ao olho do observador, e este "vê" a partícula, esta moveu-se por ter sido "vista". Em resultado, o observador não pode ter a certeza da localização exacta da partícula observada. A fonte de incerteza é a de que o observador afecta o observado.
O consciente, portanto, não é uma testemunha inocente, mas afecta aquilo de que se torna consciente. À medida que os físicos vão aprofundando a resolução deste puzzle, este torna-se cada vez mais complicado, já que o efeito do próprio consciente parece desempenhar um papel-chave na criação da realidade. Como o físico Sir Arthur Eddington diz, "o que faz mover o mundo é a mente". Não somos capazes de ver a realidade, de per se, mas o que sentimos resulta da nossa maneira de a observarmos. Alguns chegam mesmo a dizer que não existe nenhuma realidade além da que o nosso consciente cria. Esta dimensão de Unicidade, embora familiar à mística e à metafísica, demonstrou ser um dos resultados mais radicais da física subatómica moderna.
Edgar Cayce também forneceu várias imagens do funcionamento da criação que parecem ter-se antecipado às descobertas dos físicos quanta. Descreve, em particular, as "forças rotativas" dentro do átomo como sendo de importância primordial, conceito que provou ser importante numa das descobertas recentes levadas a cabo no campo da física. Os físicos modernos descobriram que a unidade sujacente ao consciente e à matéria possuem uma propriedade dinâmica muito especial: pode haver comunicação instantânea e a grandes distâncias entre as suas várias partes, a uma velocidade superior à da luz. A experiência incluiu a observação do movimento giratório numa partícula subatómica - a "força rotativa" existente no seio desta.
Já sabemos que a maneira como se faz a observação afecta os resultados. Neste caso, o movimento rotativo de uma partícula depende da forma como o observamos. Potencialmente, esse movimento pode efectuar-se ao longo de qualquer eixo. Mas assim que o observador escolhe um eixo como ponto de referência, o rodar passa a ser visto em torno desse eixo, deslocando-se, quer "para cima" (no sentido do movimento dos ponteiros do relógio) quer "para baixo" (no sentido inverso ao do movimento dos ponteiros do relógio). Em determinadas situações, as partículas são emitidas aos pares, de onde se conclui que possuem movimentos giratórios opostos. Independentemente do eixo escolhido como base de medida para a primeira partícula do par, uma vez medida a sua rotatividade ao longo do eixo escolhido, encontrar-se-á a outra partícula do par a girar ao longo do mesmo eixo, mas em sentido contrário.
Einstein propôs separar um par de partículas a girar em direcções opostas. Anos mais tarde, quando a experiência foi efectuada, descobriu-se que o elo giratório existente entre as duas partículas era instantaneamente mantido, mesmo a grandes distâncias. Quase se diria que existe alguma espécie de comunicação extra-sensorial entre as partículas subatómicas! A maioria dos físicos não concordou tratar-se de uma forma de PES, mas debaterem-se com este fenómeno surpreendente tem-os levado a propor modelos profundamente místicos da natureza da realidade.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Alea Jacta Est


Os americanos não deixam de me surpreender.
Depois do depoimento de Alan Greenspan, o velho Guru do Liberalismo, da Reserva Federal dos Estados Unidos, ter vindo a público humilhar-se e reconhecer que estivera errado durante 40 anos, acerca de infalibilidade da auto-regulação dos mercados - que causou um caos financeiro a nível global com a falência até de países inteiros - i.e., a Islândia - , histeria bolsista incontrolável e até nacionalizações de Bancos privados - à boa maneira Marxista - eis que, nas últimas eleições, os Estados Unidos da América, elegem um negro para Presidente: Barack Obama.

Barack Obama é um jovem ainda, e vê-se a braços - depois de uma das mais renhidas eleições de sempre nos EUA - com problemas tão vastos e tão complexos, criados pelos seus antecessores, que será preciso ser quase um super-homem, para não desmotivar em frente ao caos que herdou. E, um dos maiores e mais temíveis desafios com que se vai confrontar, é o de não frustrar as espectativas de todo o planeta, que tem os olhos desesperadamente postos em si.

É uma tarefa hercúlea, aquela que o espera. Tarefa tanto maior quando se trata de sanar problemas que não têm apenas especificamente a ver com os dramas comuns da burocracia de estado. A crise do neo-liberalismo mudou o mundo tão completamente que, mesmo agora, não sabemos exactamente qual vai ser o desfecho. A ressaca ainda não aconteceu, porque o sistema em funcionamento automático, vai dando a ilusão de normalidade até se despenhar por completo.

O que nos espera a todos é um enigma, sobre o qual Obama vai ter que esquematizar a sua actuação. Porque ele, afinal, é, na verdade, o Senhor do Mundo. E, não bastasse a cor da sua pele - durante tanto tempo menosprezada e vilipendiada no curso da História da humanidade - terá que acarretar também com os erros, não de um homem apenas, mas de um sistema, de uma filosofia de vida, cuja página de história foi virada no estretor do seu fracasso.

Mais que não fosse, apenas por isso, Barack Obama ficaria na História. Mas ele irá querer mais. Vai querer provar que a sua raça tem outro paradigma diferente daqueles que desprezaram e humilharam os seus ancestrais.
Ninguém é impunemente Presidente do país mais poderoso do mundo sem perceber que isso lhe impõe compromissos com a história do próprio planeta, com todos os seres que compartilham a sua contemporaneidade.

Se a América foi criada de um grito de libertação das grilhetas da adolescência rebelde europeia, esta nova América, que se desenha, vai ser um urro intestino do seu próprio crescimento psicológico, do seu ritual de passagem ao estado adulto, da sua maturidade.
Todos os sinais estão lá. A maré está a mudar. Os dados foram lançados. Alea jacta est.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Le Prologue de Kébélé


Moi, Kébélé, j'ai tissé certain travail avec six fils. Ces six fils m'on longtemps tenu au coeur. Si bien que, par un jeu de mots, je pourrais tout aussi bien dire: mes six rejetons, mes six FILS.
Je vous parlerai d'eux, afin de vous dévoiler, par le dessous de la tapisserie, ces mystérieux rapports qui nouent et dénouent, d'une vie à l'autre, certains groupes humains. Ceux-là forment, au regard sagace du ciel, des familles karmiques en apprentissage du meilleur amour.
Le chemin vers la lumière est long et sombre. Ce qui fulgure dans une existence peut aveugler pour l'existence suivante. L'erreur ici feite se retrouve empreinte là-bas. Ce qui n'a pu s'achever en une fois se continue en plusieurs. Les séparés se retrouvent. Les unis sont séparés. L'obscur, peu à peu, laisse transparaître le jour. L'impatient s'apaise. Le nonchalant se hâte un peu plus à chaque pas. Les vies qui s'enchaînent forment les étapes du voyage; et le sommeil de la mort répare les forces de l'âme pour l'étape suivante.
Oui, ils étaient six entre mes mains, six fils de différentes valeurs, de différentes torsions, six fils prédestinés qui allaient se travailler eux-mêmes en travaillant les autres.
Je vous donnerai comme un repère qui ne changera pas, la traduction de leur nom secret. Donc, dans l'archétype, au début, il y avait: Celui-qui-toujours-aime, Celui-qui-toujours-est-opaque, Celui-qui-toujours-est-un-ange, Celui-qui-toujours-âbime, et les Deux-qui-toujours-ne-forment-qu'un-seul.
Je les ai tissés et ils ont vécu, âprement, douloureusement, avec des chutes et des triomphes, avec des crimes et des miracles, sans la foi et avec elle, contre la lumière et puis, pour elle. Ils ont vécu. Ils vivent...
Celui-qui-toujours-aime cherche Dieu plus directement que les autres. C'est son unique préoccupation. Il n'a de cesse de l'avoir trouvé. Il le trouve pour le perdre, comme on perd la mémoire. Il se souvient de l'avoir trouvé et son tourment d'amour ne lui laisse nul répit. Il poursuit sa divine proie. Il la traque, comme un amant sa bien-aimée. Il la saisit enfin, la possède... et ne tient en ses bras qu'une absence. En toutes choses, il cherche «son divin». A travers tous les êtres, il le cherche, et de toutes les façons possibles.
Tout lui paraît divinement pénétré. Du fond de la nuit des êtres et des choses, une flamme lui fait signe. Il s'y précipite, oublieux des expériences passées. Et, à peine conquiert-il l'être ou l'object porteur de cette flamme, celle-ci s'éteint.
Il se retrouve, une fois encore, déçu par une enveloppe vide, une lampe sans signification.
Mais la lumière brille ailleurs et déjà l'y appelle! Il se hâte vers cela, toujours incapable de ciscriminer le contenant du contenu. Il convoite le parfum, mais il ne sait que prendre le vase et non point respirer la myrrhe. Il n'a point de repos. L'ardent désir de réintégration, de communion à la flamme, lui fait follement rechercher l'image la plus belle, la plus haute vibration, l'extase la plus aigue.
D'où mille erreurs, mille chutes, illusoires paradis, illusoires enfers, mille gestes passionnés et rapaces qui l'enchaînent, qui font lourdes ses dettes.
Il a en lui le sens de Dieu. C'est un fou d'amour.
Ainsi restera-t-il, à travers ses incarnations, un solitaire dans le monde de la manifestation, malgré les apparences contraires qui lui font nouer d'innombrables unions et n'être jamais seul. Tout en lui, en bien comme en mal, ceci comme cela étant de valeur toute relative, sera plus accusé que chez les autres membres de sa famille karmique.
Toujours, il souffrira de sa secrète solitude. La multitude de ses amours ne peuplera jamais le désert de son aspir. Tantôt possédé par ses charnelles passions, tantôt les possédant, il ne se sentira jamais vraiment rejoint. Une lucide muraille de cristal l'isolera toujours de la contamination de l'éros humain. Quoi qu'il fasse, il lui sera toujours impossible de briser cette invisible défense. Ce qui lui conservera, au centre de l'être, une inviolable pureté, une pureté imposée.
Il demeura longtemps un coeur révolté; cela jusqu'à ce qu'il comprenne que cet Aimé mystérieux fait partie de son mal de solitude, en est la secrète quintessence et que ce vide, cette vacuité ressentie, cette Absence, en vérité était la Présence Même, silencieuse, infinie, informulée, auprès de laquelle toute présence humaine effective devient ce qu'elle est réellement, c'est-à-dire: une absence.
Enfin, il voit que, dans la Présence Même, il se perdait d'amour, dès l'origine, mais sans en avoir conscience.
Tout son travail sur lui-même consistera donc á maîtriser cette conscience, à s'éveiller de ses fausses extases. Et ce n'est que lorsqu'il se trouvera harassé, tout combat cessant, lorsqu'il acceptera enfin cette solitude qu'il s'apercevra de la véritable signification de celle-ci.
Cellui-qui-toujours-aime croisera fréquemment son fil avec Celui-qui-toujours-est-un-ange.
Ils se polariseront parce que le premier cherche Dieu tandis que le second possède, à son insu, le pouvoir de le montrer. En effet, on peut dire de lui qu'il «désigne Dieu», qu'il le fait voir; et, bien souvent, par le simple fait d'être là, Dieu est alors plus proche, sans que l'être angélique s'en aperçoive car c'est pour lui un état de nature, sans intellectualité. Comme la rose dégage son parfum, Celui-qui-toujours-est-un-ange fait humer le divin à travers sa personne.
Au contraire de mes cinq fils, tous bien humains, celui-ci est émané d'une vague de vie parallèle. Il est bien du Plan des Anges. La multiple unité de sa nature ardente, inspirée, originale, était encline à un vif intérêt, à une compassion pour les choses de la terre. A sa demande, la Loi jugea bon de le mêler aux autres fils afin que, libre esprit de lumière, il fît evoluer la matière en la pénétrant.
Passer par l'humain est, tout á la fois, pour un ange, un pathétique sacrifice et une glorieuse aventure.
Il abandonne une partie de sa grâce. Son intelligence, de permanente contemplation, en devant se plier au temps, sera sujette aux éclipses. Au lieu d'être dans la plénitude, il lui faudra devenir, découvrir la croissance pénible, les lentes acquisitions fragmentaires.
Cependant, par la suite, il va servir plus activement á l'évolution générale car il peut alors accéder à cette sphère d'élection seulement réservée à l'Homme.
Celui-qui-toujours-est-un-ange connaissait la Loi. Il avait choisi librement, en toute clarté, en total désir. mais en se revêtant d'une densité plus lourde que celle de sa première nature, un voile s'étendit sur lui, il oublia une partie de son savoir transcendant. La faveur qui était sienne lui parut comme un exil. sa composition subtile souffrit d'être intégrée à une pésante enveloppe. Et il n'aima pas les constituantes de son corps humain, alors qu'il n'était descendu que pour celui-ci.
Toute son oeuvre consistera donc, de vie en vie, à accepter d'évoluer cette matière, à l'affiner, á lui faire entrevoir un possible dégagement, une transmutation, une pérennité.
Durant de longues incarnations, il ne ressentira que rancoeur et révolte contre la nature épaissie de ses différents corps, et répulsion envers les autres corps qui lui apparaîtront plus lourds, plus denses, plus frustes et privés de tous pouvoirs.
Mais dans cet être, que de grâces et de dons, néanmoins! Inspiré, voyant, il saura traduire les rythmes de la nature, les musicales harmonies de l'univers. Il aura la science des plantes; les animaux l'approcheront, surtout les oiseaux, appelés par une rémanence de son ancien état aérien. Il se fera aimer sans le chercher. ce sera un être de charme, insaisissable, inoubliable, préoccupé seulement par la nostalgie d'un bonheur incompréhensible aux hommes.
Celui-qui-toujours-est-opaque apparaît comme son complément, son inévitable contrainte, parce qu'il représente très exactement cette terrestre matière à travailler, à son point le plus bas.
Tous deux seront donc constamment mis en présence, unis ou affrontés par le destin.
Celui-qui-toujours-est-opaque est un être sans transparence qui ne conçoit pas de se laisser pénétrer para la lumière qui le dérange.
Solide, compact, attaché aux choses de la terre, il aime la courte vie du corps, les plaisirs qui animent la chair. L'immédiat saisissable est à lui. Les biens tangibles lui appartiennent, sonnent agréablement à ses oreilles, brillent à ses yeux, sont doux sous ses doigts, délectables à sa langue gourmande, enivrants à son flair.
Il fait son domaine des demeures fortifiées et luxueuses. Il se recouvre d'étoffes colorées, bruissantes, brodées. Ses bijoux sont lourds, ses armes massives et efficaces. Chasseur pour alimenter ses cuisines, il ne tue pas cependant volontiers son ennemi en guerre car il respecte la vie humaine.
Incapable d'entrevoir au-delà des apparences, la mort lui est une fin désespérante et, comme il n'est pas mauvais de coeur, il l'inflige rarement.
Il ne se pose pas de questions.
En lui, aucune ouverture vers le mystère, aucune recherche spirituelle. C'est comme s'il manquait de l'organe nécessaire. Sa soif et sa faim ne passent jamais sur le plan de l'âme. Quand il a soif, il boit; quand il a faim, il mange. Amoureux, il fait l'amour, apaise sa chair. Il ne connaît que des appétits aisés à satisfaire. Il reproduit euphoriquement ses petits, heureux d'en faire beaucoup à son image et de son odeur. Il s'entend à gouverner sa maison ou son peuple.
Les différents aspects de Celui-qui-toujours-est-un-ange ne manqueront pas de le fasciner, en vertu du charme des opposés.
Il ira toujours vers lui, le recherchera, voudra le retenir, le sentir, le goûter, le tâter, le faire dormir à son côté, le voir manger d'abondance comme lui-même; il s'éfforcera naivement, à la fois, de lui ressembler et de l'amener à sa propre ressemblance. Il voudra procréer à partir de lui. Il l'aimera vraiment et s'enivrera de sa présence.
Hélas, Celui-qui-toujours-est-un-ange se sent vampirisé par celui-qui-toujours-est-opaque!
Mais il viendra cependant à assumer ses responsabilités car, en essence, il est le Maître, l'autre est l'élève. Ce dernier ne peut évoluer que par son intermédiaire. Il faudra que l'un consente à professer, que l'autre consente à apprendre. L'élève qui, animalement, se raproche et désire avec sa chair ce que l'autre ne pourrait accorder que par l'âme, se trompe certes, mais, au fond, ne fait qu'obéir, avec ses gauches moyens, à un élan qui s'inscrit dans la ligne de la Loi. Il se laisse porter sans discussion vers son maître. Et c'est bien, même s'il met du temps à comprendre, même s'il est rétif, paresseux á penser, obtus etbuté, c'est bien quand même, parce qu'il ne s'écarte pas.
Mais le maître, par contre, fait mal en cherchant à esquiver la tâche primitivement acceptée. Et la dette karmique, augmentée d'une vie à l'autre, pèsera plus lourd pour le maître que pour l'élève...
Les-Deux-qui-toujours-ne-forment-qu'un-seul sont comme les deux parties d'une brillante étoile, éclatée et éteinte à l'issue de sa chute sur terre.
Ils sont plus que frères, plus que jumeaux, plus que prédestinés, mais étroitement identiques, de même composition; deux poles d'un seul corps qui ne connait d'existence réelle que sous l'action d'un courant d'amour animateur, jailli de l'union de ces deux pôles.
Cette terre est pour eux nuit et solitude. Ils s'y meuvent à tâtons, comme des aveugles d'un genre spécial qui ne pourraient rien voir ici-bas que leur propre reflet. La lumière qui désigne le monde ne peut luire pour eux que lors de la reconstituition de leur mystique lampe originelle. Tant qu'ils ne se sont pas trouvés, ils flottent au gré des courants d'un destin qui, leur semble-t-il, ne les concerne pas. Démunis de leur union, ils ne sont rien.
Chacun pris à part, ils paraissent toujours quelque peu absurdes par rapport à ce qui les entoure et dans quoi ils se refusent à plonger des racines.
Étrangers pleins d'étrangeté, ils ne cessent d'être une énigme, un déconcertant fragment, que dans le moment où ils sont ensemble. ils s'expliquent alors en se complétant.
Tant qu'ils ne se sont pas rencontrés, ils aspirent continûment l'un à l'autre, ils s'inventent sans se connaître.
Ils sont bien les deux parties d'une blessure qui n'est fermée que par leur noce. Nul sur terre ne peut remplacer l'un pour l'autre. Rien en vérité ne peut les nouer à d'autres quà eux mêmes.
Aussi, au cours des renaissances, séparés par le Temps qui les fait parfois naître avec de grands écarts d'âges, séparés par les différences de lieu ou de milieu, séparés par les barrières du sexe identique ou de l'inceste, déchirés, désunis, ils apprendront peu à peu à faire fleurir, à composer, sur des plans dégagés de la matière, l'Androgyne Spirituel dont ils étaient la double graine, eux deux que l'on nomme si justement: âmes-soeurs...
Il reste maintenant à parler de Celui-qui-toujours-abîme.
Celui-là est leur épreuve à tous, porteur en sa substance du don de créer la réaction nécessaire. Il doit s'en prendre à tous et à chacun. La Loi l'utilise comme un instrument plein de rigueur pour peser, mesurer et comparer.
Il représente la froide obscurité, la nuit des dangers, le marécage des sombres tentations, tout ce qui permet d'apprécier à sa valeur de miracle le retour du soleil, terrestre ou spirituel.
Em vérité, il met l'aube en valeur. Mais on ne s'aperçoit pas tout de suite du sens exact de son rôle, parce que le déssin de son évolution se trace surtout sous la tapisserie...
Celui-qui-toujours-abîme apporte á sa famille karmique la difficulté perfectionnante.
Tout ce qu'il touchera, il va le gauchir. Il est comme l'Étoile Absinthe: dans le miel mystique, il infusera l'amertume du doute. Rienn qu'à les parcourir, il rendra sinueuses les voies droites...
Il sera le permanent danger des autres, l'ennemi occulte, à cause duquel on ne dormira pas sur les lauriers. C'est en somme un élément de rigueur, qui fouette et active.
Toutes les incarnations distilleront autour d'elles la tentation, le fanatisme, l'obscurcissement. Il possède ce particularisme à un haut degré de puissance. Il aime déterminer. Sa volonté sans faille lui permet de mener à fond ses desseins. Inconscient des désordres et des drames qu'il suscite, tout à son Idée, tou à son Plan toujours, il calcule, suppute, échafaude; il travaille sans répit.
Il aime la puissance, la plus active: celle qui reste ignorée. Jamais il ne se présente de front. Pour attaquer, pour saisir, il contourne et s'enroule. Il agit de loin, dessous, mais constamment, en disposant d'une sorte de force magique dans l«action, tant est grand son vouloir.
Tous les moyens lui sont bons. Ses paroles l'imposent. Perfides, rusées, elles cheminent.
Sa suprême illusion est de se croire constructif, alors qu'il ne fait que dégrader.
Il ignore dédaigneusement la souffrance d'autrui, étant lui même dur au mal.
Il devra prendre conscience, perdre sa puissance, s'adoucir.
Il lui faudra du temps et encore du temps, plus que tout autre mais, lourdement chargé et le tout dernier à se libérer, il aura, en vérité, mystérieusement aidé tous les autres.
Chrystia Sylf
Livre d'Initiation de la Loge I