Fernando Pessoa também foi um escritor de policiais - embora a maior parte dos leitores desconheça esta faceta da sua obra - e não dava menos importância às suas novelas que ao resto da sua produção intelectual. Pessoa chegou mesmo a questionar-se se, em vez de começar a publicar com a Mensagem, não deveria ter-se iniciado na edição com estas narrativas.
"Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo", disse Fernando Pessoa.
Mas as suas novelas são inacabadas e, em vez de as escrever com um heterónimo, criou um personagem: Abílio Fernandes Quaresma, cuja profissão era: decifrador!
Quaresma é um personagem que tem uma descrição física e intelectual, portanto real, para Pessoa. Fumador inveterado de charutos Peralta, fechado no seu alcoolismo impenitente e no seu raciocínio quase automatizado, é fisicamente um homem vulgar, de estatura média, excessivamente magro e de barba mal aparada. Solteiro, médico sem clínica, mora num 3º andar da rua dos Fanqueiros, num pequeno quarto desarrumado, com uma janela aberta para os telhados, e procura, sem o conseguir completamente, não parecer excessivamente desleixado no vestuário... e tem um método! O método do Quaresma, que assenta simultaneamente no raciocínio dedutivo e no conhecimento psicossomático do criminoso. E, dessa maneira, discorre demoradamente sobre temas como a nevrose e a loucura, na sua óptica intimamente relacionados com o crime ou o génio. Na realidade, tanto o génio como a loucura ou o crime são apresentados como resultado de desiquilíbrios psiconevróticos e de inaptidão social. Expõe igualmente tipologias de crimes: "crimes de temperamento", "crimes de impulso", "crimes de ocasião", e de criminosos, entre os quais avulta o criminoso nato: "No caso do criminoso nato, ou natural, temos a histeria e a epilepsia coexistentes mas fundindo-se, entrepenetrando-se..."
De si mesmo, Quaresma, o Decifrador dizia: "procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. (...) Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas. Paro, decifro e passo adiante. Não emprego nenhum sentimento." Mas Pessoa facilita-lhe a vida descrevendo: "Vivia no seu quarto, num estado de semi-doença indefinida, vegetando embrulhado numa manta e lendo. Deixava perceber, por um ligeiro tremor e pelos dedos amarelados, as marcas dos seus dois vícios, o alcoolismo e o tabaco. Preferia charutos baratos, Peraltas escuros, a 25 réis, que contribuíam para a tosse cadavérica que por vezes o tomava."
As novelas policiais foram reunidas num só volume, na véspera da comemoração dos 120 anos do seu nascimento. É Fernando Pessoa na pele de Quaresma, Decifrador em 13 novelas inacabadas. Excelente presente de Natal.
"Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo", disse Fernando Pessoa.
Mas as suas novelas são inacabadas e, em vez de as escrever com um heterónimo, criou um personagem: Abílio Fernandes Quaresma, cuja profissão era: decifrador!
Quaresma é um personagem que tem uma descrição física e intelectual, portanto real, para Pessoa. Fumador inveterado de charutos Peralta, fechado no seu alcoolismo impenitente e no seu raciocínio quase automatizado, é fisicamente um homem vulgar, de estatura média, excessivamente magro e de barba mal aparada. Solteiro, médico sem clínica, mora num 3º andar da rua dos Fanqueiros, num pequeno quarto desarrumado, com uma janela aberta para os telhados, e procura, sem o conseguir completamente, não parecer excessivamente desleixado no vestuário... e tem um método! O método do Quaresma, que assenta simultaneamente no raciocínio dedutivo e no conhecimento psicossomático do criminoso. E, dessa maneira, discorre demoradamente sobre temas como a nevrose e a loucura, na sua óptica intimamente relacionados com o crime ou o génio. Na realidade, tanto o génio como a loucura ou o crime são apresentados como resultado de desiquilíbrios psiconevróticos e de inaptidão social. Expõe igualmente tipologias de crimes: "crimes de temperamento", "crimes de impulso", "crimes de ocasião", e de criminosos, entre os quais avulta o criminoso nato: "No caso do criminoso nato, ou natural, temos a histeria e a epilepsia coexistentes mas fundindo-se, entrepenetrando-se..."
De si mesmo, Quaresma, o Decifrador dizia: "procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. (...) Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas. Paro, decifro e passo adiante. Não emprego nenhum sentimento." Mas Pessoa facilita-lhe a vida descrevendo: "Vivia no seu quarto, num estado de semi-doença indefinida, vegetando embrulhado numa manta e lendo. Deixava perceber, por um ligeiro tremor e pelos dedos amarelados, as marcas dos seus dois vícios, o alcoolismo e o tabaco. Preferia charutos baratos, Peraltas escuros, a 25 réis, que contribuíam para a tosse cadavérica que por vezes o tomava."
As novelas policiais foram reunidas num só volume, na véspera da comemoração dos 120 anos do seu nascimento. É Fernando Pessoa na pele de Quaresma, Decifrador em 13 novelas inacabadas. Excelente presente de Natal.