» THE AVATAMSAKA SUTRA «
Esta belíssima metáfora budista - acerca de uma rede infinida, tecida de forma a ter uma jóia refulgente a cada intersecção dos fios, que reflecte todas as outras jóias, que, por sua vez, nela reflectidas, reflectem elas mesmas todas as outras, como um jogo interminável de espelhos paralelos - sugere-me sempre os intricados labirintos mentais das ideias, a sua volatilidade e a sua verdadeira natureza.
Muitas vezes me pergunto a mim mesmo como surgem as ideias, de onde vêm e para onde vão. Existem vadias no éter universal, ou são criações das nossas mentes inquietas? Será que elas existem antes de pensarmos nelas? Se assim é, onde estão? Por exemplo, a ideia da roda existia antes de a roda autêntica ser inventada? O princípio da roda esteve sempre algures, à espera de ser descoberto?
O que estimula o nosso cérebro de modo a optar por determinada forma para produzir uma ideia específica? Quer se trate de a ir buscar aos pensamentos que passam na cabeça de outra pessoa, ou de fazer uma descoberta criativa permitindo que uma nova ideia ocorra, ambos os casos pressupõem captar uma ideia "do ar" ou levar o cérebro a comportar-se de uma determinada forma que corresponda à ideia. Como é que uma ideia se deslocada? Como é que uma ideia que é "mental", consegue juntar-se ao nosso cérebro que é "físico"?
Estas ideias confusas nascem da forma como imaginamos o funcionamento do mundo. A nossa própria linguagem reflecte a maneira como compreendemos os mecanismos do mundo. Quando falamos de um objecto, este tem uma fronteira à sua volta - existe dentro de um determinado espaço. Para captar esse objecto, raios luminosos, ondas sonoras ou moléculas odoríferas têm que se estender entre nós e o mesmo. Tem que ocorrer um contacto qualquer, pois a nossa consciência de separação exige que haja elos entre nós e o não-nós, de modo a aprendê-los.
Quando se trata de manipular objectos materiais no nosso mundo do dia-a-dia, a nossa consciência vulgar, tal como foi designada pela linguagem científica, funciona razoavelmente bem. Trata-se de uma perspectiva optimista: tudo tem por base os mecanismos de átomos que se comportam como bolas de bilhar. Diz-se que a ciência reduz toda a vida a fenómenos químicos e físicos, utilizando o átomo como alicerce do bloco de edifícios. Prenda-se alguns átomos uns aos outros e teremos uma substância química. Misture-se alguns produtos químicos e teremos uma reacção química. Algures, ao longo da linha, uma dessas reacções químicas origina uma forma de vida. As formas de vida conjugam-se e algumas reacções químicas, por sorte mas ao acaso, criam novas formas de vida. Passado algum tempo temos plantas, animais e humanos.
Um pensamento humano é o resultado final de reacções químicas que ocorrem no mundo exterior. Tudo é explicado como uma cadeia de sequências causa-e-efeito envolvendo, basicamente, processos atómicos. Outra das designações atribuidas à abordagem atomista é uma perspectiva micro, pois todos os processos são analisados em termos da parte mais reduzida. Mas muita gente evita recorrer à perspectiva micro para explicar tudo. A perspectiva macro, no lado oposto, analisa a vida em termos do mais vasto, englobando processos que governam os mais pequenos. Uma perspectiva macro também é holística: considera o sistema não como uma amálgama de partes, mas sim como um todo, como na ecologia. Descobertas recentes na física quanta incentivaram um conceito do mundo mais holisticamente integrado, se não também paradoxal.
Onde estamos nós actualmente? Abriram-se portas em quase todos os edifícios científicos, mas o edifício da física de hoje em diante quase que não tem paredes: é uma catedral cheia de vitrais onde se reflectem os clarões de outro mundo, infinitamente próximo.
A matéria revelou-se tão rica, se não mais rica em possibilidades do que o espírito. Ela contém uma energia incalculável, é susceptível de transformações infinitas, tem recursos insuspeitáveis. O termo "materialista", segundo o significado do séc. XIX, perdeu todo o sentido, da mesma forma que o termo "racionalista". A lógica do «bom senso» já não existe. Na física actual, uma proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa. A.B. já não é igual a B.A. Uma entendida pode ser a um tempo contínua e descontínua. Já não nos podemos referir à física para condenar tal ou tal aspecto do possível.
Um dos sinais mais espantosos da abertura que se produz no domínio da física é a introdução daquilo a que se chama "o número quântico de estranheza". Eis, por alto, de que se trata. No princípio do séc. XIX, pensava-se ingenuamente que dois números, o máximo três, seriam suficientes para definir uma partícula. Esse número seria a sua massa, a sua carga eléctrica e o seu momento magnético. A verdade estava longe de ser tão simples. Para descrever completamente uma partícula foi necessário acrescentar uma importância intraduzível em palavras e a que se chamava spin. A princípio julgou-se que essa importância correspondia a um período de rotação da partícula sobre si própria, qualquer coisa que para o planeta Terra corresponderia ao período de 24 horas, regulando a alternância dos dias e das noites. Chegou-se à conclusão de que nenhuma explicação simplista deste género poderia manter-se de pé. O spin era simplesmente o spin, uma quantidade de energia ligada à partícula, apresentando-se matematicamente como uma rotação sem que gire seja o que for da partícula.
Mas, bruscamente, descobriu-se que entre as três partículas conhecidas: protões, electrões, neutrões ( e as suas imagens no espelho, antiprotão negativo, positrão, antineutrão), existia mais uma trintena de outras partículas. Os raios cósmicos, esses grandes aceleradores, porduziam-nas em grandes quantidades. Ora, para descrever essas partículas, os quatro números habituais, massa, carga, momento magnético, spin, já não eram suficientes. Era necessário criar um quinto número, talvez um sexto, e assim indefinidamente. E foi de uma forma absolutamente natural que os físicos chamaram a essas novas importâncias «números quânticos de estranheza». Esta saudação ao anjo do Bizarro tem qualquer coisa de imensamente poético. Como muitas outras expressões da física moderna: «Luz Interdita», «Algures Absoluto», o «número quântico de estranheza» prolonga-se para além da física, e tem ligações com as profundezas do espírito humano.
Muitas vezes me pergunto a mim mesmo como surgem as ideias, de onde vêm e para onde vão. Existem vadias no éter universal, ou são criações das nossas mentes inquietas? Será que elas existem antes de pensarmos nelas? Se assim é, onde estão? Por exemplo, a ideia da roda existia antes de a roda autêntica ser inventada? O princípio da roda esteve sempre algures, à espera de ser descoberto?
O que estimula o nosso cérebro de modo a optar por determinada forma para produzir uma ideia específica? Quer se trate de a ir buscar aos pensamentos que passam na cabeça de outra pessoa, ou de fazer uma descoberta criativa permitindo que uma nova ideia ocorra, ambos os casos pressupõem captar uma ideia "do ar" ou levar o cérebro a comportar-se de uma determinada forma que corresponda à ideia. Como é que uma ideia se deslocada? Como é que uma ideia que é "mental", consegue juntar-se ao nosso cérebro que é "físico"?
Estas ideias confusas nascem da forma como imaginamos o funcionamento do mundo. A nossa própria linguagem reflecte a maneira como compreendemos os mecanismos do mundo. Quando falamos de um objecto, este tem uma fronteira à sua volta - existe dentro de um determinado espaço. Para captar esse objecto, raios luminosos, ondas sonoras ou moléculas odoríferas têm que se estender entre nós e o mesmo. Tem que ocorrer um contacto qualquer, pois a nossa consciência de separação exige que haja elos entre nós e o não-nós, de modo a aprendê-los.
Quando se trata de manipular objectos materiais no nosso mundo do dia-a-dia, a nossa consciência vulgar, tal como foi designada pela linguagem científica, funciona razoavelmente bem. Trata-se de uma perspectiva optimista: tudo tem por base os mecanismos de átomos que se comportam como bolas de bilhar. Diz-se que a ciência reduz toda a vida a fenómenos químicos e físicos, utilizando o átomo como alicerce do bloco de edifícios. Prenda-se alguns átomos uns aos outros e teremos uma substância química. Misture-se alguns produtos químicos e teremos uma reacção química. Algures, ao longo da linha, uma dessas reacções químicas origina uma forma de vida. As formas de vida conjugam-se e algumas reacções químicas, por sorte mas ao acaso, criam novas formas de vida. Passado algum tempo temos plantas, animais e humanos.
Um pensamento humano é o resultado final de reacções químicas que ocorrem no mundo exterior. Tudo é explicado como uma cadeia de sequências causa-e-efeito envolvendo, basicamente, processos atómicos. Outra das designações atribuidas à abordagem atomista é uma perspectiva micro, pois todos os processos são analisados em termos da parte mais reduzida. Mas muita gente evita recorrer à perspectiva micro para explicar tudo. A perspectiva macro, no lado oposto, analisa a vida em termos do mais vasto, englobando processos que governam os mais pequenos. Uma perspectiva macro também é holística: considera o sistema não como uma amálgama de partes, mas sim como um todo, como na ecologia. Descobertas recentes na física quanta incentivaram um conceito do mundo mais holisticamente integrado, se não também paradoxal.
Onde estamos nós actualmente? Abriram-se portas em quase todos os edifícios científicos, mas o edifício da física de hoje em diante quase que não tem paredes: é uma catedral cheia de vitrais onde se reflectem os clarões de outro mundo, infinitamente próximo.
A matéria revelou-se tão rica, se não mais rica em possibilidades do que o espírito. Ela contém uma energia incalculável, é susceptível de transformações infinitas, tem recursos insuspeitáveis. O termo "materialista", segundo o significado do séc. XIX, perdeu todo o sentido, da mesma forma que o termo "racionalista". A lógica do «bom senso» já não existe. Na física actual, uma proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa. A.B. já não é igual a B.A. Uma entendida pode ser a um tempo contínua e descontínua. Já não nos podemos referir à física para condenar tal ou tal aspecto do possível.
Um dos sinais mais espantosos da abertura que se produz no domínio da física é a introdução daquilo a que se chama "o número quântico de estranheza". Eis, por alto, de que se trata. No princípio do séc. XIX, pensava-se ingenuamente que dois números, o máximo três, seriam suficientes para definir uma partícula. Esse número seria a sua massa, a sua carga eléctrica e o seu momento magnético. A verdade estava longe de ser tão simples. Para descrever completamente uma partícula foi necessário acrescentar uma importância intraduzível em palavras e a que se chamava spin. A princípio julgou-se que essa importância correspondia a um período de rotação da partícula sobre si própria, qualquer coisa que para o planeta Terra corresponderia ao período de 24 horas, regulando a alternância dos dias e das noites. Chegou-se à conclusão de que nenhuma explicação simplista deste género poderia manter-se de pé. O spin era simplesmente o spin, uma quantidade de energia ligada à partícula, apresentando-se matematicamente como uma rotação sem que gire seja o que for da partícula.
Mas, bruscamente, descobriu-se que entre as três partículas conhecidas: protões, electrões, neutrões ( e as suas imagens no espelho, antiprotão negativo, positrão, antineutrão), existia mais uma trintena de outras partículas. Os raios cósmicos, esses grandes aceleradores, porduziam-nas em grandes quantidades. Ora, para descrever essas partículas, os quatro números habituais, massa, carga, momento magnético, spin, já não eram suficientes. Era necessário criar um quinto número, talvez um sexto, e assim indefinidamente. E foi de uma forma absolutamente natural que os físicos chamaram a essas novas importâncias «números quânticos de estranheza». Esta saudação ao anjo do Bizarro tem qualquer coisa de imensamente poético. Como muitas outras expressões da física moderna: «Luz Interdita», «Algures Absoluto», o «número quântico de estranheza» prolonga-se para além da física, e tem ligações com as profundezas do espírito humano.