sexta-feira, 5 de setembro de 2008

TODOS OS SIMBOLOS: Os Arquétipos


O APOCALIPSE

A psicologia de C.G. Jung é a única escola de psicologia que acredita que há dois centros na psique - o ego, como centro da consciência, e o arquétipo do Self(*) como sendo o centro do que ele chama a psique objectiva, ou o inconsciente colectivo. Outras escolas de psicologia constatam dois reinos diferenciados na psique, o consciente e o inconsciente, mas apenas Jung é assertivo quanto à existência de dois centros totalmente independentes.
(*)Self = Si - Numa acepção geral, entende-se por self aquilo que define a pessoa na sua individualidade e subjectividade, isto é, a sua essência. O termo self em português pode ser traduzido por «si» ou por «eu», mas a tradução portuguesa é pouco usada, em termos psicológicos).

Ao falarmos de arquétipos, é bom notar que a experiência de Jung com arquétipos é de que eles são padrões dinâmicos, campos de potencial, que têm tanto intencionalidade energética como completa independência. São a natureza crua no coração da nossa psique e, como tal, servem como material estruturante dos nossos complexos, tanto 'bons' como 'maus'. O arquétipo central, o Self, é o centro transpessoal da psique, e age como instrumento e agente da transcendência. Como tal, é indistinguível da imagem-Deus.

A palavra «Apocalipse» (revelação) significa em Grego "destapar o que esteve escondido." Por outras palavras, a revelação de uma nova verdade. Este processo opera em quatro fases: revelação, julgamento, destruição e um novo nascimento. Se olharmos para há dois séculos atrás, veremos a 'revelação', o surgimento, de novas correntes, de novas verdades científicas, psicológicas e sociais; veremos que julgamentos e avaliações foram feitos com base nessas novas verdades; veremos o colapso de credos e instituições que foram suportados por essas verdades anteriores, e que se têm vindo a mostrar disfuncionais dentro do contexto das actuais verdades; e notaremos os rebentos de uma outra visão mundial tentando florescer. A destruição e o renascimento acontecem simultaneamente, ainda que o uso popular do termo apocalipse tenha um sentido de completa destruição.

De volta ao arquétipo. Lá porque existe um arquétipo nos humanos isso não significa que ele esteja activo. Pode jazer adormecido durante toda uma vida humana, ou durante o tempo de uma era. Aquilo que Jung vê que está a acontecer na nossa era é que o Self, o arquétipo central de ordem e significado, foi activado no inconsciente colectivo. E, quando o Self é activado, isso significa uma mudança cultural colectiva a nível mundial. No cerne de 'cada' visão cultural mundial, existe a imagem-Deus, seja ela Cristã, Muçulmana, Hindu ou seja o que fôr. (Os Budistas não têm subscrição com Deus, mas acreditam no Infinito que, do ponto de vista psicológico, vai dar ao mesmo.) Mas, quando o Self é accionado, o processo de "destapar o que esteve escondido", o Apocalipse, a "revelação da nova verdade", toma lugar. Isto é um processo que demora gerações.

Se olharmos para trás, é bem possivel que tenha levado seiscentos anos para que a Cristandade emergisse até se tornar uma 'religião'. Muitos dos temas de Jesus são tão antigos quanto Ezequiel, que se referia a ele como "Filho do Homem" (simbolicamente, "Filho de Deus"), que era a maneira como Jesus se referia a si próprio. Muitos dos primeiros pais da Igreja acreditavam que os Salmos prefiguravam Jesus. Depois de Jesus morrer, levou mais trezentos anos para a Cristandade se solidificar em religião, Não foi porque Jesus apareceu em cena, fez milagres e pregou sermões magníficos que, de repente, surgiu o Cristianismo. De maneira nenhuma. Jesus articulou e manifestou o que tinha vindo a crescer gradualmente durante um longo período de tempo. E isto aconteceu enquanto os deuses Greco-Romanos perdiam importância na imaginação da "minoria criativa".
O grito que Nietzsche lançou em 1882, "Deus está morto", foi ouvido em todo o Império Romano 2000 anos antes, num grito semelhante "O Grande Pan está morto". Por outras palavras, a imagem-Deus prevalente do mundo Greco-Romano tinha perdido a ressonância e a relevância nas profundezas da psique colectiva do mundo Greco-Romano. Mas, ao mesmo tempo, uma outra maturação tomava lugar, que os velhos deuses não conseguiam igualar, mas que Jesus expressou e manifestou de uma maneira que ressoou nas profundezas da alma colectiva daquele tempo.

Pode-se dizer que São Paulo foi o psicólogo-mor daqueles dias. O que ele fez, de facto, foi ajudar o mundo Romano a assimilar conscientemente a nova imagem-Deus, algo que já estava em ebulição na alma colectiva mas que precisava uma assimilação consciente. Se a imagem-Deus emergente não fôr assimilada conscientemente, então ela expressa-se inconscientemente - como oposto - nos acontecimentos do dia-a-dia. E isso faz parte de todo o fenómeno "Red & Blue America", para não falar da maluquice Arabe-Israelita.

Joseph Henderson, o único psicoanalista vivo que trabalhou com Jung, afirma que Jung um dia lhe disse que gostava de ler a Biblia, não apenas para obter 'visões' espirituais mas, sobretudo, por causa do seu significado psicológico. Jung achava que ler a Biblia lhe garantia um grande entendimento psicológico. Como Thomas Cahill escreveu, a história da Biblia hebraica é "a história de uma consciência a evoluir, uma consciência que atravessa diversos estágios de desenvolvimento." Enquanto muitos dos temas mais importantes do Velho Testamento (especialmente o Pentateuco) são originados na Idade Mítica, todo o Novo Testamento foi escrito não muito depois do fecho da Idade Axial. As caracteristicas que definem a Idade Axial, segundo o filósofo Karl Jaspers, que inventou o termo "Idade Axial", era a saída da Idade Mítica para a era em que "o homem se torna cosciente de Ser como um todo, de si próprio e das suas limitações". A consciência, escreveu Jaspers, torna-se "consciente de si". Jesus pode muito bem ter sido o melhor exemplar desta consciência emergente. Por isso o Novo Testamento (assim como a filosofia e a ciência Grega pré-Socrática, que tem muito mais o sentir da vida espiritual do que a seca filosofia e ciência Ocidental, que tende para a parcialidade racional) foi a primeira expressão após a Idade Axial. Por isso esta expressão é tão vital. Era o reflexo do que Rudolf Otto em The Idea of the Holy chamava de numinous, um termo usado para descrever a espantosa intensidade emocional comum a todas as experiências espirituais, independentemente das culturas ou seitas. É por isso que Jung sentia ter aprendido tanto psicologicamente ao ler a Biblia.

Mas já nos afastámo séculos desse tempo. Alienámo-nos completamente da natureza e do seu papel essencial na psique humana, e o nosso estado de conhecimento e desenvolvimento psíquico são tão diferentes de há dois mil anos atrás que, para muitas pessoas, a Biblia já não tem a mesma qualidade vivencial que transfigurava as pessoas desses tempos.

Por isso um novo processo de redefinição espiritual e maturação psicológica tem vindo a tomar lugar, pelo menos, nos últimos dois séculos. Se acreditarmos nas sondagens públicas, Deus está bem e de saúde. Mas quando olhamos para a produção da "minoria criativa" ocidental nos últimos dois séculos, fica claro que já não se encontra ressonância nem significado na tradição espiritual que foi conhecida por Cristandade. Hegel foi o primeiro a soletrá-lo em 1827 "Deus morreu - Deus está morto - este é o mais apavorante de todos os pensamentos, de que tudo o que é eterno e verdadeiro não é, essa negação por si mesma é encontrada em Deus." Este credo espalhou-se durante todo o século dezanove na cultura Europeia, e foi repescado nos anos 20 pela cultura Americana (É do que trata exactamente The Great Gatsby). As sondagens de opinião pública são totalmente incorrectas naquilo que diz respeito a "quão religiosa é a América". Todos os que enchem as Mega-Igrejas são os mesmos que engolem o consumismo/tecnocrático/utilitário que caracteriza a vida americana da actualidade.

Resumindo: o "arquétipo do Apocalipse" é a activação do arquétipo do Self - o arquétipo central do significado - que traz consigo um novo ponto de vista mundial, uma nova imagem-Deus, um novo relacionamento com o Divino, e um novo estágio de maturação psicológico para todo o planeta. E digo "todo o planeta" porque este processo parece estar a actuar por si mesmo em todo o mundo, embora a ritmos e velocidades diferentes, dependendo da profundidade a que as raízes culturais estão estabelecidas. Mas é evidente que a Africa perdeu o vigor espiritual de outros tempos, e a India e a China estão ambas numa qualquer espécie de crise espiritual, semelhante ao que aconteceu no Ocidente durante os anos de 1800.

Aquilo que estamos a atravessar não é mais do que a redefinição da relação entre o Homem e Deus, o seu Criador. É o arquétipo do Apocalipse em acção!