segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A escultura dos símbolos


A linguagem é uma legislação, e a língua é o seu código. Não nos apercebemos do poder que existe na língua porque nos esquecemos que qualquer língua é uma classificação e que qualquer classificação é opressora: ordo quer dizer simultaneamente repartição e cominação. Jakobson demonstrou que um idioma se define menos por aquilo que permite dizer do que por aquilo que o obriga a fazer.(...)
Na lingua a servidão e o poder confundem-se inelutavelmente. Se chamamos liberdade não apenas à faculdade de nos subtrairmos ao poder, mas também e sobretudo à faculdade de não subjugarmos ninguém, a liberdade de que falamos não poderá existir senão no exterior da linguagem. Infelizmente a linguagem humana não possui um exterior. Apemas se pode de lá sair a preço do impossível: pela singularidade mística, tal como Kirkegaard a descreve quando descreve o sacrifício de Abraão como um acto inaudito, vazio de qualquer palavra (...) contra a generalidade, a gregaridade, a moralidade da linguagem; ou ainda pelo amen Nietzschaeno, que é como que um abalo jubilatório infligido ao carácter servil da linguagem.(...)
A utopia, bem entendido, não é preservada do poder: a utopia da língua é recuperada como língua da utopia (...) Eis-nos perante a semiologia.
Primeiro que tudo é preciso repetir que as ciências (...) não são eternas: são valores que sobem e descem numa Bolsa, a Bolsa da História: bastaria a este respeito lembrar o destino valorativo da Teologia, discurso hoje em dia insuficiente e, todavia, outrora uma ciência soberana (...)
A semiologia seria, por consequência, o trabalho que recolhesse as impurezas da língua, aquilo que fosse recusado pela linguística, a corrupção imediata da linguagem: nada menos que os desejos,, os medos, os trejeitos, as intimidações, as tentativas, as ternuras, os protestos, as desculpas, as agressões, as melodias de que é feita a língua activa. (...)
(excertos de)"Lição", Roland Barthes