quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

RECEITA DE FRANGO-NOVO-ANO


Tenho andado pensando o que escrever no meu Blog desde o início do ano - não é que isso seja importante! (quer dizer... é presumível que seja importante para a minha persistência intelectual).
Mas, o choque anafiláctico que sofri com o penoso percurso da procissão política deste país no final do ano (temos que convir que o Cavaco parece um "gato-pingado" e o Sócrates um "undertaker" americano luxuoso, vestido em imagináveis interiores Calvin Klein) deixou-me em estado de imponderabilidade. Tem sido uma espécie de enterro anunciado, à la G.G.Marquez, num pantâno tropical exótico, tipo Macondo, onde as pessoas morrem rodeadas de moscas, zumbindo de forma simpática e alegremente, confortadas pelos fantasmas familiares que insistem em nos assombrar, com a mais pacata das ternuras. Não há nada pior que vizinhos excessivamente simpáticos, tal como governantes previdentes demais com o nosso bem estar!
Fazem-me lembrar o eco das torneiras avariadas dos WC públicos que por si só nos dão vontade de mijar, e substituem o "shhhhhshhhhh" que as nossas mães apressadas faziam, para nos solucionar o acto.
Pois é exactamente essa a sensação que eu tenho com os meus governantes actuais: que me forçam a mijar mesmo se não tiver vontade!
Não me levem a mal, porque a linguagem é uma legistação - como disse Roland Barthes -, e a língua é o seu código. Se houver muitas citações neste texto, lembrem-se sempre daquela máxima: "quando cito alguém, estou convocando os meus cúmplices". Além disso, estou no início do ano, transitário, transitivo e transitório.... o que me constitui como irresponsável - mas totalmente lúcido.
Eu tinha preparado para lhes deixar aqui uma receita de "cock au vin" - mas como tenho pânico de cogumelos, arranjei uma substituição. Chama-se: "Vê-lá-se-a merda do-frango-ainda-tá-bom". É um frango semiológico. Quer dizer, depois de estar há um tempo suficientemente considerável no frigo, para se constituir como um "happening", ou um sinal de trânsito com uma exclamação, a gente tem que cozinhar a besta. Um frango obstinado! Que é irredutível às filosofias tipificadas.
Toda a gente já releu a Montanha Mágica do Thomas Mann (quem não releu... leia!). A tuberculose através da leitura. Pois fique sabendo que este frango cura tudo. Até os olhares nostálgicos que se podem sentir quando olhamos paisagens que, de tão avassaladoras, nos condenam à morte. Ou ao aborrecimento! que é uma forma suprema de spleen. Às vezes de um tédio inominável. Lembram-se da "Morte em Veneza"? sob o peso do Adagietto da Sinf.#5 de Mahler? Brilhante!
Mahler também tinha paisagens musicais como Erik Satie. Mais dramáticas, a despontar o Wagnerianismo!
O Philippe Ariès falava de "São Paulo e a Carne" dizendo que o santo descrevia os pecados dando-lhe uma ordem que parecia seguir uma hierarquia. Santo Agostinho também tinha esse fenómeno da construção da virtude depois de usufruir dos pecados. Al Berto fazia vastas referências a Foucault, Flandrin, Pollak, etc., com o mesmo intuito... "Só o excesso nos confere a lucidez da abstinência".
Actualmente, os psicólogos e os economistas dizem isso de outra maneira "é preciso bater no fundo". De que 'fundo' falam, jamais saberemos. Parece que há um fundo em nós feito de resoluções de situações baldadas ao insucesso.
Por exemplo, Victor Hugo, que 'snifava' éter, presumo, construiu grande parte da sua maior poesia nestas percepções dos abismos, quedas, vertigens e viagens - se lidas sob o olhar da Inquisição, fariam do homem bruxo! E, no entanto, é um dos maiores escritores do mundo. Convenhamos, a sua poesia é algo assustadora!
Bom, então aqui fica a receita do meu "frango-ano-novo".
1. Frango cortados aos bocados - esquecido no frigorífico.
Mete-se o animal dentro de uma tigela suficientemente grande para ele caber com vários ingredientes. Dá-se um pouco de sal - toda a gente diz que não e eu digo que sim!
Eu tinha um resto (1/2 litro) de Porca de Murça tinto e cobri o frango. Ponham vinho de qualidade - não tem que ser obrigatoriamente nenhuma marca conceituada.
Juntamente com o vinho e o frango cortado aos pedaços junta-se uma laranja cortada aos gomos, com casca; uma cebola (grande) descascada, cortada aos gomos, às rodelas, como quiserem. Quatro dentes de alho, com casca, esmagados à mão... não cortem com a faca. Uma colher de chá de "herbes de provence" (é fácil de arranjar), 2 folhas de louro velho esmagado com a mão. Já disse... um pouco de sal (pouco). Esta marinada deixa-se da noite até ao dia seguinte.
No dia seguinte retira-se o frango da marinada e faz-se um refogado. Acrescenta-se a gosto 2 ou 3 colheres de caril em pó. Eu não utilizo caril indiano por isso ponho um pouco de piri-piri. Junta-se ao refogado a marinada 'coada' - tudo em lume muito brando - tapa-se e deixa-se apurar em lume muito baixo durante um bom bocado.
Ao lado coze-se arroz. O arroz tem que ficar NEUTRO. Coze-se com água e sal. Após a cozedura, passa-se por água para libertar. Volta à panela a aquecer.... quem gostar junta um pouquinho de manteiga, enrola com passas. No forno torram-se pinhões. Junta-se ao arroz com passas já passado pela manteiga.
Bom apetite!