Lisboa, 03 Ago (Lusa) - A descoberta da ligação molecular responsável pela perda de memória associada ao consumo prolongado de cannabis, divulgada no domingo, poderá ajudar a identificar alvos terapêuticos para a sua reversão, disse hoje à Lusa um neurocientista português.
Segundo Nuno Sousa, do Domínio de Neurociências do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho, a descoberta é relevante porque não se conheciam em detalhe os mecanismos envolvidos nas já conhecidas perturbações cognitivas, ao nível da memória, relacionadas com o consumo de cannabis.
O trabalho, da autoria de investigadores de uma universidade de Barcelona, foi publicado na última edição da revista Nature Neuroscience.
"Com este estudo, ficámos a entender de forma muito mais precisa os mecanismos moleculares que estão na base dos défices cognitivos associados ao consumo relativamente prolongado de canabinóides, nomeadamente os receptores e as cascatas de sinalização envolvidos", explicou à Lusa o neurocientista português, um dos autores de um trabalho publicado na semana passada na revista Science sobre os efeitos do stress crónico no processo de tomada de decisões.
Concretamente, "ficámos a saber que um sector dos endocanabinóides activa uma cascata de sinalização que é modulada por dois outros neurotransmissores", assinalou.
Na perspectiva do neurocientista, a descoberta permitirá identificar "um conjunto de potenciais alvos moleculares para desenvolver estratégias que no futuro impeçam, ou até revertam, esses défices cognitivos associados ao uso de canabinóides".
O estudo dos investigadores espanhóis - realizado com ratinhos geneticamente modificados na Unidade de Neurofarmacologia do Departamento de Ciências Experimentais e da Saúde da Universidade Pompeu Fabra - mostra que os efeitos em causa do cannabis se devem a uma interrupção do processo de consolidação da memória.
De acordo com Andrés Ozaita, um dos coordenadores do estudo, se forem bloqueadas as vias de sinalização que o cannabis põe em marcha, "evitar-se-ão também os seus efeitos na memória".