As «quimeras» em mitologia, são monstros lendários com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão. Em português figurado significa: fantasia, ilusão, utopia ou um aburdo.
Relendo o livro do Nobel da Bioengenharia, Renato Dulbecco, sobre a medicina e a moral, na era do DNA, cruzei-me com um curioso Capítulo que se intitulava «O Zoo das Quimeras».
Quando, no início de 1984, a revista 'Nature' publicou a notícia, muitas pessoas dificilmente acreditaram nela. Uma ovelha com chifres de cabra? Parecia uma piada, mas a seriedade da fonte não deixava margem para dúvidas. A estranha criatura fora baptizada de «geep», uma fusão das palavras inglesas 'goat' (cabra) e 'sheep' (ovelha) --- poder-se-ia traduzir em português por «ovabra» ou «cabrelha» --- e tinha nascido num laboratório de Cambridge. Jamais se tinha visto algo deste género: um verdadeiro puzzle zoológico, que agrupava num só corpo os traços de duas espécies diferentes. Em suma, uma quimera, como as que povoavam os mitos gregos e os bestiários medievais, como as sereias, os sátiros ou os centauros.
Como pudera surgir um tal prodígio? Sabe-se que os animais de espécies diferentes não se podem cruzar, mas existem excepções: são possíveis, por exemplo, os híbridos entre cavalo e burro (pode nas cer uma mula ou um macho). A fecundação artificial pode cruzar, dentro dos limites, uma zebra com um cavalo e criar um «zebralo», ou um tigre com um leão, criando um «tigrão».
O segredo no caso da «cabrelha» consistiu na técnica de embryo transfer (tranferência de embriões). Os investigadores em Cambridge tinham pegado nos óvulos fecundados de uma cabra e de uma ovelha num estado muito precoce de desenvolvimento (isto é, quando cada um deles só tinha tido tempo de formar um embrião de poucas células, todas iguais) e tinham-nos combinado entre si de modo a constituirem um único embrião. Depois tinham-no transferido para o útero da ovelha, que levou a gravidez até ao fim, tendo um filho-quimera.
Este método já tinha sio experimentado com sucesso em diferentes raças de coelhos, ratos e ovelhas. Hoje em dia, os biólogos usam quimeras parciais, como a «codolinha», resultante de um implante de um fragmento de embrião de codorniz no da galinha. (...) Inventada nos anos 60 por Tim Rawson e pelos seus colegas do Instituto de Fisiologia Animal e Investigação Genética da Universidade de Cambridge, bem depressa ela foi aproveitada pelos criadores de gado de todo o Mundo. (...) Deste modo, para obter bovinos de qualidade e, consequentemente, bifes mais saborosos, já não é necessário um elevado número de vacas de raça: bastam pouquíssimas, que se fazem fecundar com esperam congelado de touros seleccionados e depois faz-se prosseguir a gravidez em vacas comuns.
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO!
in «ENGENHEIROS DA VIDA» excerto «pag 45/46»
de Renato Dulbecco - Prémio Nóbel da Bioengenharia -
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