Fernando Pessoa
A MESMA – Falar do passado – isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena...
SEGUNDA – Falemos, se quiserdes, de um passado que não tivéssemos tido.
TERCEIRA – Não. Talvez o tivéssemos tido...
PRIMEIRA – Não dizeis senão palavras. É tão triste falar! É um modo tão falso de nos esquecermos!... Se passeássemos?...
TERCEIRA – Onde?
PRIMEIRA – Aqui, de um lado para o outro. Às vezes isso vai buscar sonhos.
TERCEIRA – De quê?
PRIMEIRA – Não sei. Porque o havia eu de saber?
(uma pausa)
SEGUNDA – Todo este país é muito triste... Aquele onde eu vivi outrora era menos triste. Ao entardecer eu fiava, sentada à minha janela. A janela dava para o mar e às vezes havia uma ilha ao longe... Muitas vezes eu não fiava; olhava para o mar e esquecia-me de viver. Não sei se era feliz. Já não tornarei a ser aquilo que talvez eu nunca fosse...
PRIMEIRA – Fora de aqui, nunca vi o mar. Ali, daquela janela, que é a única de onde o mar se vê, vê-se tão pouco!... O mar de outras terras é belo?
SEGUNDA – Só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...
Blogged with the Flock Browser