Manhattan Maritimo Battery, Edifício-Instrumento Musical em Nova Yorque (na foto)
Mostrar que a Música, por ser a mais completa das artes, deve antes ser sentida do que compreendida - eis o objectivo deste ensaio.
Convém, primeiramente, definir com clareza a nossa maneira de conceber a Arte. Duas grandes teorias se afrontam: o Realismo e o Idealismo. Segundo a primeira, a Arte deveria ser exclusivamente uma imitação da Natureza, a reprodução exacta de Realidade. Eis uma definição que não só degrada como destrói a Arte. Rebaixá-la a uma imitação servil da natureza é condená-la a não produzir senão coisas imperfeitas. Com efeito, a parte mais importante da emoção estética é dada pela nossa personalidade. O Belo não existe na Natureza - somos nós que lá o pomos. O sentimento do Belo que experimentamos perante uma paisagem não provém da perfeição estética dessa paisagem. Provém do facto de esse aspecto das coisas se encontrar em acordo perfeito com os nossos instintos, com as nossas tendências, com tudo o que constitui a nossa personalidade inconsciente. E isto é tão verdadeiro que a mesma paisagem demasiadamente vista, demasiado contemplada, acaba por nos aborrecer. Isso aconteceria se ela contivesse em si mesma a perfeição? A parte mais importante da emoção estética é, por consequência, fabricada pelo nosso eu, e a frase de Amiel será sempre verdadeira: Uma paisagem é um estado de alma. Aliás, supondo que as Artes se reduzem à imitação da Natureza, se admitirmos que algumas delas, tais como a escultura e a pintura, podem atingir uma resultante concreta, não é menos verdade que outras Artes (a Arquitectura e, sobretudo, a Música) são incapazes de a produzir. É certo que a natureza exprime harmonias que são próprias à inspiração musical. Mas diremos, por isso, que Beethoven ou Wagner, se limitaram a imitá-las? De resto, que vantagem obteríamos com semelhantes reproduções, necessariamente infiéis, da Natureza? Ela própria nos bastaria, sem dúvida alguma, para obtermos uma evocação estética mais nítida e mais pura.
Julgamos, por conseguinte, que esta tese realista é indefensável. E, por outro lado, quantas obras medíocres ela não gerou?!... Para um Flaubert, quantos Zolas?...
Qual será, então, a nossa concepção de Arte? Não é, de um modo absoluto, a da escola idealista, a qual, mesmo opondo com razão Arte e Natureza, proclama que o mérito da primeira reside naquilo que acrescenta à segunda.
Esta teoria idealista transforma-se demasiadas vezes numa teoria moral, geradora de obras insípidas, falsas ou maçadoras à força de querer apresentar exemplos sãos, respeitáveis e dignos de serem imitados.
Para nós, a Arte não é nem uma expressão do Real, nem a expressão de um Real adulterado até aos limites da falsificação. Ela é, simplesmente, a expressão do Ideal, a criação de um mundo onírico, suficientemente atraente para nos ocultar aquele em que vivemos e todos os seus horrores. E a emoção estética consistirá unicamente na contemplação desse mundo ideal. A Arte será a expressão, a objectivação das coisas tal como elas deveriam ser para nós. E será essencialmente pessoal e original, visto que o ideal de cada um de nós varia. A Arte será a chave que abre as portas de um mundo, inacessível por outros meios, onde tudo seja belo e perfeito, sendo beleza e perfeição definidas em relação a cada um de nós. E insistimos na parte reservada em Arte à personalidade. Mais vale o feio pessoal do que a beleza plástica que não passe de pura imitação. 'O que o público te reprova, guarda-o preciosamente; é o que tu és', dizia Jean Cocteau. (...) in "Escritos de Juventude" de Albert Camus