sexta-feira, 3 de abril de 2009

AS AVENTURAS DE JOHNJOHN EM BRUXELAS: A chegada

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Acordei sobressaltado com a paragem do comboio. Rosy estava ao meu lado e olhava-me acusadoramente.
- Estás a dormir há mais de 4 horas! E eu a olhar a porcaria da janela que só mostra negro, parece uma TV avariada!
Estava irritada. Eu já sabia que quando estava assim, não havia nada a fazer, por isso calei-me.
- Mas pela linda paisagem que vi, continuou ela no mesmo tom, deve estar um frio de morte. É bom que vistas o sobretudo.
Ainda estremunhado, e cheio de dores da posição em que dormira, perguntei-lhe:
- Chegámos a Bruxelas?
Com a sua irreverência habitual de quando estava enervada respondeu: «Não comprámos bilhetes para a Lua, pois não? Portanto, deve ser Bruxelas, porque é final de linha!»
Achei que o melhor era calar-me e já que estava com energia, ainda que negativa, que dirigisse os trabalhos.
Lá fora estava um frio de morte. A placa das horas e do termómetro da Estação marcava 7ºC abaixo de zero.
A primeira coisa que Rosy fez foi embirrar com o bagageiro. O rapaz era cordato e educado e estava enregelado de frio naquela plataforma, e para aquelas horas da madrugada estava a tentar ser minimamente profissional.
Quando finalmente chegámos a um acordo sobre o transporte das bagagens, entrámos na Estação devidamente aquecida. Rosy sentou-se no cadeirão bufando de raiva.
- Vai beber qualquer coisa, pelo amor de Deus, um café, uma cerveja ou um whisky, mas desaparece-me daqui que não há quem te ature. São 5 e meia da manhã e estou estafado, e não tenho a menor pachorra para te aturar! - disse-lhe com alguma severidade, depois de ver o tratamento que dera ao bagageiro. Ela saiu para o Bar da Estação. Quando voltou estava mais animada e trazia pequenas amostras de garrafas de whisky para bebermos.
Fui entender-me com o vendedor de bilhetes perguntando se havia alguma praça de Taxis perto. Disse-me que existia uma no final da rua, a uns 100 metros dali.
Tinha nevado no dia anterior e, muito embora tivessem destribuído sal para derreter a neve, o abaixamento da temperatura tinha feito uma pequena película de gelo no solo que era extremamente escorregadía.
Eu não estava disposto a andar 100 metros sobre aquele falso passeio, com malas pesadas, para chegar ao parque de Táxis e não encontrar nenhum àquela hora da madrugada.
Pedi ao rapaz da bilheteira se seria possivel chamar um RadioTaxi que eu pagava a chamada.
Os Belgas são pessoas educadíssimas, e de uma cordialidade desarmante. O rapaz telefonou a chamar um Táxi e nem me cobrou a chamada, e ainda me pagou o meu agradecimento com um sorriso.
Quando o Táxi finalmente chegou e transportámos a bagagem havia uma decisão a fazer: ir para um Hotel ou dirigirmo-nos à casa do nosso amigo que nos esperava.
Resolvemos que para poupar dinheiro iríamos directamente para a casa do nosso amigo. O problema é que só tinhamos o endereço e nunca nenhum de nós estivera na cidade. Confiámos por isso no motorista do Táxi.
Rosy tinha tido uma boa ideia quando fôra ao Bar buscar as pequenas garrafas de whisky. Comprara um mapa da Cidade.
Nós sabíamos que a rua ficava algures na Chaussée d'Ixelles, uma transversal, e transmitimos isso ao taxista.
O homem entendeu «Chaussée d'Ixelles» mas foi tudo. Era Polaco. Foi na altura em que a Bélgica se viu invadida por polacos fugidos ao regime, ou simplesmente para ganharem mais alguns tostões.
Compreendemos em alguns minutos que o homem não falava nem francês, nem inglês, nem flamengo... enfim, falava Polaco e sorria muito.
Enquanto subíamos e descíamos a «Chaussée», em busca da morada que ele desconhecia em absoluto, o homem teve uma atitude irrepreensível: desligou o taxímetro. Abriu as mãos e disse-nos: "je ne sais pas".
Rosy abriu o mapa e passámos alguns minutos olhando as ruas perpendiculares à Calçada.
Mais tarde entendemos que só quem não fosse da cidade não conheceria a Ernest Solvay, que tinha um «restaurant de charme» exactamente em frente á casa do nosso amigo.
A casa tinha sido, em dias melhores, uma antiga mansão senhorial, agora dividida em apartamentos por andares e alugada a emigrantes.
O taxista, numa conversa arrevesada em polaco, que ninguém percebeu, tirou as malas do carro, cobrou-se da sua «corrida» - ou metade dela, porque o taxímetro há muito fôra desligado - cumprimentou-nos amavelmente retirando o boné e partiu.
Ficámos no meio da rua, com sete graus negativos, batendo a uma porta que eventualmente seria a do nosso amigo.
O dia despontava. A porta do prédio estava encerrada, e não se via botões de campaínha à vista, portanto decidimos bater à porta. E batemos com força. Estava muito frio!
Surgiu uma criatura extraordinária com papelotes na cabeça e um roupão vermelho estampado com borboletas douradas. Falava italiano. Rosy que trabalhara na «air liquide» sabia falar italiano e explicou-lhe quem procurávamos. A «signora» facultou-nos entrada para o 1º andar não antes de gritar, à boa maneira italiana pró primeiro andar, "Signor Jose, lei amici sono arrivato!". Ela era cabeleireira e dominava o rez-do-chão com o seu Salão de beleza.
Houve balbúrdia no andar de cima e seguiu-se uma correria escadas abaixo do Zé, e do seu companheiro de apartamento, um francês chamado Christophe, que nós não conhecíamos.
Muitos abraços, apresentações, muitas conversas umas sobre as outras em vários idiomas. A italiana estava deliciada, e subiu com os seus papelotes na cabeça e o seu roupão de borboletas douradas para tomar um Chardonnay e conhecer os novos amigos, porque ficava muito emocionada por ver reencontros.
Ao terceiro copo a italiana já chorava e contava-nos histórias de Nápoles e da sua quinta da família; Christophe, por seu turno, como tinha fugido da família em França e tinha vindo ser empregado de balcão para Bruxelas. E nós contávamos a viagem.
A manhã nascia definitivamente.
Meu amigo tinha uma casa minimalista, ou melhor, sem móveis. A sala era enorme mas por curioso que pudesse parecer não tinha móveis. Apenas uma aparelhagem de stereo. A única zona habitada da casa parecia ser a cozinha, que tinha mesa e cadeiras, e as coisas necessárias para manter produtos refrigerados e armários para utensílios. Portanto eu e Rosy ficámos com a Sala. Estendemos 2 colchões no chão, ao lado da lareira, e instalámo-nos. Dormimos porventura umas boas 12 horas.
Christophe veio acordar-nos de súbito no dia seguinte.
- Vite, vite... venez voir! C'est une surprise!
Da janela inglesa suspensa sobre a rua vi pela primeira vez nevar em toda a minha vida.
(to be continued)
João do O'Pacheco